O título pode ser cabotino e pretensioso. E é mesmo. Só conheço a capital do cinema pela rama. Como diz a Lygia Fagundes Teles todo aquele que escreve é um dissimulador. Eu não sou diferente. Aumento aqui,diminuo ali. Sempre a meu favor, claro. Até quando admito meus erros e minhas fanfarronices. E os vexames - ái meu Deus! – que vergonha de alguns deles. Se os conto é sempre do meu modo.
Sempre gostei de cinema. Nem sei porque. Ninguém me incentivou para isso. Apenas aconteceu. Assim como um destino. Imagino até que seja por narcisismo: me projetava na figura romântica dos atores. Devia querer ser igual ao que eles eram na tela. Nem imaginava que pudessem ser diferentes na vida real. Para mim eram o que diziam deles (e sempre bem) as revistas e suas próprias imagens no escurinho dos cinemas. Personificavam sempre a felicidade, finalmente alcançada depois de alguns percalços. Sou da época do “happy end” obrigatório por lei nos Estados Unidos. O bem vencia sempre. O cinema tinha que ser educativo. E assim foi por muitos anos.
Imagino que o cinema foi uma mosca perversa que me mordeu um dia. Até os oito anos morava em uma fazenda sem qualquer contado com alguma coisa que ao menos de longe se parecesse com cinema. Um dia minha avó morreu – ou terá disso meu avô? Naquela época, final dos anos trinta, a morte removia montanhas. As famílias se reuniam ao peso de muito sacrifício. Tirava-se fotos. Chorava-se. Vestia-se luto. Meu pai alugou um fordeco e lá fomos nós para o velório. Horas e horas de viagem. A precariedade das estradas fazia tudo mais distante. No meio do caminho, uma parada obrigatória, para os passageiros se aliviarem, lancharem, esticarem as pernas. Essa parada foi em Duartinha que ficava a alguns quilômetros de Espírito Santo do Turvo, nosso destino final.
Não sei se estávamos num bar, num hotel, numa rodoviária. Mas lá longe estava o cinema da cidade. Um cineminha, mas de qualquer forma, um cinema... uma porta larga, a bilheteria, alguns cartazes anunciando os próximos filmes. Um cinema. Ora, um cinema “comme il faut”. . Eu nem sabia como era um cinema. Só alguns anos depois entraria num deles. Senti-me atraído como que por imã. Saí escondido de meus pais e fui até àquela porta misteriosa que escondia mil segredos e que me chamava. Fui, olhei e voltei. O cinema voltou comigo. Para sempre.
O cinema era uma coisa distante. Mesmo depois que me tornei intimo dos filmes e das programações, o cinema era algo que existia lá em Hollywood. Não havia como tocar as fimbrias de sua essência. Apenas suas sombras chegavam em forma de imagens às telas no retângulo sombrio das salas de projeção. Terminada a sessão, a claridade do dia lá fora ou o lusco fusco das luzes noturnas quebrava todo aquele sonho feito de sombras e sons na tela. Essa foi para mim a magia do cinema por muitos e muitos anos. Magia que foi se quebrando aos poucos... tão aos poucos que eu mesmo não percebi.
Minha alma queria sempre desvendar os segredos guardados pelo muro intransponível que havia para além daquelas imagens que se desvaneciam ao acender das luzes. Creio que persegui esse mistério a vida inteira. Será que não o persigo ainda?
Primeiro foram os títulos em inglês. Toda manhã ia à porta do cinema na minha pequena cidade e copiava o título dos novos filmes em inglês para traduzi-los em casa. Aprendi, pelos, menos que quase nunca eram fieis ao original. Mas isso pouco importava. Ajudava-me entender melhor a proposta dos enredos. “Now, Voyager” era “Estranha Passageira”... bem, forçando a mão até que era a mesma coisa.
Depois vieram as cartas. Descobri que podia escrever para os artistas e eles mandariam fotos autografadas. Foram centenas de cartas que me traziam aquela gente distante e quase irreal que me tocavam a alma como um santo toca o espírito dos crentes. Existiriam além daqueles sorriso glamurosos? Todo esse “tour de force” resultou num vasto álbum que hoje repousa num quando das estantes que guardam restos de minhas memórias. O que farão destes sorrisos os que vierem depois de mim? Nada, certamente.
Então, o cinema se tornou uma arte séria. Tema de leituras, discussões, infindáveis polemicas sobre diretores, atores, revistas especializadas. Uma vontade louca que o cinema nacional fosse tão bom como o estrageiro. Mas não era. Será agora? Com a inauguração da Companhia Vera Cruz imaginava que a rua São Luiz em São Paulo bem que poderia se transformar na nossa Via Vêneto onde se embebedavam as figuras mais decantadas do cinema italiano. Ou, então, a Boate Mocambo de Hollywood em cujas mesas se podia ver a nossa Carmen Miranda em reportagens da revista Carioca ou A Cena Muda. A vida é sonho... como dizia Calderoan de la Barca.
Triste é quando os sonhos se desvanecem . Um dia me vi trocando recadinhos com dois ou três daqueles mitos etéreos do cinema da minha mocidade. Não com muitos, nem com os mais famosos que já havia se despedido ao peso bruto da morte. Mas, de qualquer forma, gente daquele mundo fugidio que o vento levou. E levou mesmo, porque hoje nem existe sombra daquela Hollywood que eu sonhava como se fosse um conto da Caronchinha... A Caronchinha que se carunchou.
Um dia me vi em San Diego, na Califórnia, ali pertinho de Hollywood. Achei que não devia perder a ocasião de conhecer a já velha capital do cinema. Reservei uns caraminguás e num fim-de-semana tomei um ônibus fui lá. Não vi quase nada. Nem ao menos uma sombra da Betty Grable cruzando a Sunset Boulevard, ora pois. Apenas me senti pisando o mesmo chão que um dia fora palmilhando por grandes celebridades que povoaram meus sonhos.
Depois foi o “BOY, o mais famoso dos filhos de Tarzan que eu conheci pelo nome - Jonhny Sheffield – e de quem recebi algumas fotos naqueles tempos das cartas que chegavam a velha agência dos correios de quando a cidade de Osvaldo Cruz ainda se chamava Califórnia. Era uma grande emoção a chegada daqueles envelopes com o nome estampado daquelas celebridades tão distantes quanto etéreas. Mas um dia... um dia chegou a Internet e tudo ficou mais fácil e mais banal. Um dia me vi trocando e-mails com o próprio Boy, agora, um velho senhor, comercializando seus filmes antigos e a procura de compradores. Claro que um comprador do Brasil – esse pais distante – chamou sua atenção e ele quis saber mais do meu interesse. Chegamos a “conversar” futilidades. A construção de sua casa nova em Chula Vista, as filhas... enfim, ele como gente e não como a figura buliçosa, montando elefantes na selva africana que eu aprendi a gostar nas telas das matinês.
Outra foi Dorothy Lamour, com seus longos cabelos negros. Estava em Nova York fazendo um curso a mando de minha empresa. Ligo a televisão bem de manhãzinha e quem me aparece num programa bem ao estilo da Ana Maria Braga? Ela própria falando de sua autobiografia cujo lançamento seria por aqueles dias e convidava seus fãs. Claro que fui. E lá estava ela já sem seus longos cabelos negros de “rainha das selvas” e autografando The Other Side of the Road. Não comprei , por pura timidez e por economia também. Apenas me contentei de ver a grande estrela. Um pouco mais de atrevimento e coragem e teria falado com ela. Hoje lamento ter perdido essa grande chance.
“Quem procura acha”: nada mais verdadeiro. Ao longo da vida continuei dando chances à sorte para encontrar esses antigos avatares da memória. Recentemente fiz uma inusitada amizade com uma antiga estrela de Hollywoood que não chegou a fazer fama por aqui. E quando digo aos amigos que recebi um e-mail de Sara Shane todos perguntam assustado: quem é essa? Eu sei, é o que importa. Seus filmes não fizeram sucessos por aqui. Na sua envelhecida memória ainda fulguram cenas e personagens daqueles dias que o cinema povoou de sonhos minhas ilusões. Sara me mandou uma foto. Claro que de quando era bela e tinha o brilho de uma estrela fulgurante. . Hoje, envelhecida, é como os santos para os crédulos. Os santos são figuras intimas do paraíso, porque vivem lá. Os velhos ídolos também surgem trazendo nos restos de memórias esgarçadas lembranças de um mundo de sonhos que fazem grande alvoroço em nossa imaginação.
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Preciso enviar um e-mail à Sara Shane com a foto de minha cadela que teve cinco filhotes porque ela me disse que também teve vários cães, os quais amava e que hoje estão no “heaven of dogs”... espero que se agrade com a notícia que vou lhe dar.