sexta-feira, 21 de setembro de 2007

MEU VIZINHO RAUL ROULIEN


Leio longa matéria de Ruy Castro, no Estadão, que me foi enviada pelo Flavio, amigo de Campinas. Conta a história do primeiro ator hollywoodiano brasileiro que pouca gente conhece: Raul Roulien. Eu também quero meter minha colherinha de café nessa história. Um verdadeiro golpe da sorte me fez dele um quase amigo. Ou, pelo menos, um dia, vertemos lágrimas uníssonas.


Sabedor de sua fama fugaz no cinema americano (para dizer pouco, participou do filme que lançou a dupla Fred Astaire e Ginger Rogers), lá por volta dos anos 35, do último século, tive curiosidade de saber se ele estava vivo ou morto e mais que isso por onde andaria. Empenhei-me até o limite iam minhas forças e meus relacionamentos. Pergunta daqui, pergunta dali e nada. Ninguém sabia onde estava e poucos quem fosse essa figura. O máximo que me diziam é que devia estar metido em propaganda e que eu pesquisasse junto as agências. Não me dei a esse trabalho e fiquei guardando a curiosidade enquanto comprava o quase nada que havia disponível sobre o ator. Aliás, cantor também. O melhor que consegui foram algumas fotos em revistas como Cinearte e Scena Muda bem antigas. Algumas delas com ele na capa. Consegui a duras penas um livreto do Museu Da Imagem e do Som com sua reduzida biografia. Já era alguma coisa. E a busca prosseguia.


Queria mais. Saber onde estaria essa fugidia efígie. Vivo? Morto? Faltou-me lembrar apenas de uma velha prédica de meu ex-chefe Amin Aur segundo a qual devemos “insistir no óbvio” em qualquer circunstância. Pois não me ocorreu a lista telefônica, logo ali, empoirada nos subterrâneos da mesinha de revistas da sala do apartamento. Pois bem: paga-se pela burrice. Precisei pesquisar o telefone de alguém com o sobrenome Rodrigues. E Rodrigues começa com “r-o” assim como Roulien. Não é que antes do Rodrigues, encontro o próprio Raul Roulien? Era de não se acreditar. Ali estava seu nome inteiro, em prosa e verso, e principalmente número do telefone, endereço com todos os efes e erres.
Podem me chamar de mentiroso que não reclamo ao bispo. E provo com escrituras, extratos bancários, conta de luz e outras formalidades. Eu morava na Rua Brasilio Machado n. 292 e o Raul Roulien no prédio em frente, num número ímpar como mandam os dispositivos municipais, não mais que 293 ou 297. Um pequeno edifício muito meu conhecido porque o achava bonitinho e cobiçava ter um apartamento nele. Mais que isso, seu zelador já havia ocupado o mesmo cargo no prédio em que eu morava. Tudo em casa. Claro que telefonei imediatamente. Atendeu-me sua terceira (ou seria outro o ordinal?) esposa . Era sabedor de seu segundo casamento com a então famosa na época Conchita Montenegro. Sabia ainda que uma tragédia se abateu sobre sua primeira mulher, morta atropelada por alguém não menos que John Huston sabidamente embriagado. Num rumoroso processo Roulien ganhou a causa indenizatória, mas perdeu as chances de continuar no cinema americano. Não gostaram da petulância daquele latinosinho nas barbas de Tio Sam. Mas isso são outras estórias.


Pelo telefone fui informado, gentilmente, que o meu inesperado achado estava muito mal, com esclerose avançada e não falava mais. Mas que se olhasse pela janela do meu apartamento o veria no portão do prédio tomando Sol, assistido por um enfermeiro. Perguntei se poderia chegar até ele e a gentil senhora concordou, achando que não conseguiria muita coisa. Mesmo assim muni-me das revistas que tinha com as fotos do ator, principalmente na capa, e desci correndo. O enfermeiro concordou sisudo com minha aproximação e ao ver as revistas com as fotos de seu assistido até que melhorou a cara.


Este não é um momento para se descrever com detalhes. Senti-me um pouco constrangido com meu gesto intempestivo. Ao mostra-lhe as fotos os olhos do Raul se acendiam como numa revelação e sem poder dizer nada chorava, chorava muito. Não resisti e chorei também. Delicadamente seus dedos trêmulos tocavam os botões de minha camisa o que me enternecia mais que minha resistência podia suportar. . Chorávamos ambos.


Voltei a vê-lo mais algumas vezes. Aproximava--me com cuidado. E antes das lágrimas me afastava. Claro que chorando assim mesmo. Um dia o zelador me parou na rua para dizer que “seo” Raul tinha morrido. E acrescentou que subindo ao apartamento para socorrer a viúva nas demandas da morte viu que havia muitas fotos de gente famosa com quem ele convivera no passado. Mal podia ele imaginar quanto.


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